sábado, 26 de fevereiro de 2011

O universo em uma feira dentro de nós



Os gritos avançam pelos ouvidos com a velocidade, o temperamento e os sotaques dos mais variados, as cores e os aromas ampliam os sentidos, os sorrisos estampados alucinam, o clima de harmonia flui levemente, trazendo para o final da manhã do sábado a inquietude para aqueles que desejam experimentar, mesmo que por breves momentos, a intensa sensação de compartilhar da vida que existe em uma feira livre.

Comecei meu contato com esse ambiente quando ainda vivia no interior, na mais tenra infância, e todo santo fim de semana acompanhava meus pais na procura pelas melhores frutas, legumes, verduras e temperos, sem jamais esquecer do tradicional pastel acompanhado do geladíssimo caldo de cana que conferia ares de descontração àquela simples forma de manifestação e finalizava com louvor o passeio por aquele universo.

Visitei diversas delas no interior de São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais e Bahia durante meu crescimento pessoal e profissional, algumas malucas que juntavam aos tradicionais alimentos biscoitos, galinhas vivas, peixes e até roupas, outras que mantinham a tradição hortifruti, mas todas sempre repletas, de gente e de itens inimagináveis incrivelmente postos juntos, e que recheiam as memórias como uma salada multicolorida de sonhos.

Este texto aparece justamente porque estive hoje na feira que ocupa a rua Adolfo Gordo, no bairro de Campos Elíseos, em São Paulo, minha primeira vivência como comprador dos quitutes e vegetais poucas horas depois de uma desgastante jornada de trabalho. O cansaço foi deixado de lado para ser ocupado pela satisfação em conhecer as pessoas que trabalham, frequentam e assistem a essa cerimônia de infindáveis misturas , jeitos e histórias.

Na sacola, batatas, cenouras, abobrinhas, bananas, maçãs, uvas e mangas, nos bolsos, menos R$15, no coração, felicidade por acompanhar de perto toda a dedicação que os feirantes levam aos seus amigos, sim, amigos, porque se resumir a chamar de cliente quem bate um papo gostoso e faz questão de adentrar nesse espaço e ser tocado por ele é perder a essência do que é a existência do mesmo, jamais restrita à questão mercadológica.

Isso porque esse é um contato inexistente em mercados e quitandas, que podem ter até itens mais bonitos esteticamente, mas jamais vão elevar o espírito da alegria como o faz uma feira, bela por sua própria natureza, ligada à bagunça, às brincadeiras, aos personagens folclóricos, ao encontro dos produtos que vão estar na mesa das pessoas não apenas carregando sabor, mas trazendo uma lembrança, uma ideia, uma esperança.

Para quem pensa que a criatividade dispensa comentários, basta observar o jovem rapaz oferecendo mangas que tem folhas de alface como enfeite . Carregando o filho pequeno a tiracolo, explica que por as frutas serem vermelhas, ficam mais destacadas quando tem ao seu lado algo de uma cor bem diferente, o que chama a atenção e, consequentemente, traz mais gente para levar a delícia tropical para casa. Nem precisou estudar semiótica.

Surpresa generosa também, quando se adquirem uvas e bananas em um certo número, especificado antes da compra, e logo em seguida se ganham outras, de brinde do vendedor, porque ele acredita que o velho ditado do "em se dando é que se recebe" realmente funciona no momento de agradar e atrair novos adeptos da sua banquinha. E fica a pergunta no ar, em que hiper, mega, master loja de rede isso aconteceria?

Sim, como sempre, há crianças e outras pessoas pedindo dinheiro, reféns de problemas sociais enormes e inumeráveis que estão ali para tentar salvar seu estômago de mais algumas horas ou dias de fome, e que contam com a solidariedade de quem marca presença para lhes ajudar, quase sempre conseguindo alguma coisa, senão pelo menos ficando com as sobras das barracas, algo que muito universitário que quer economizar também faz pagando pouco.

Por falar em faculdade...

Lembro-me que no ano de 2007 sugeri como tema para a produção dos filmes da disciplina de Documentários de minha faculdade justamente às benditas feiras, que eu via, mesmo não entendendo absolutamente nada de cinema, serem um lugar onde as enormes perspectivas traçadas pela arte pudessem ser desenhadas, nem que fossem por amadores como eu e meus colegas de classe, o que de fato acabou se concretizando muito bem.

Devido ao volume de experiências que tive posteriormente , e por novamente me encantar com esta feira que acabei de conhecer, penso em talvez produzir um novo em breve, até porque essa aventura anterior se perdeu pelas entranhas dos programas de edição de computadores de amigos ou dvd's jogados em algum canto, procurando desta vez não fazer apenas um "retrato da realidade", mas algo que venha de dentro do meu ser, como essas palavras.

Por mais que seja difícil passar a sensação que todos os participantes desse dia a dia têm ao acordar bem cedo, preparar o seu corpo e a sua mente para aguentar o calor e os pedidos insistentes de desconto, um pedacinho do abacaxi ou os questionamentos sobre a procedência de determinado item, há de se colocar, ao menos por enquanto, a forma cativante como conseguem transformar sua labuta em uma euforia que só termina quando é raspada a chepa.

2 comentários:

  1. Ótimo posto gigio. Eu sou uma frequentadora de feiras.Costumo acompanhar meu pai, quando possível, e saio de lá com mais de uma centena de sensações experimentadas.
    É uma riqueza imensa!

    Um beijooo pra vc!!

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  2. Livre=Liberdade

    Nos seus sentidos mais profundos.

    Um beijo!

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