sábado, 6 de novembro de 2010

O líder da tropa contra a elite?



Nascimento na versão institucional
Crédito da foto: Alexandre Lima

Uma das primeiras sequências da história do cinema em que o conteúdo analítico e extremamente crítico da obra de continuação de uma saga pulveriza por completo - senão deixa no esquecimento, os jargões dos personagens utilizados no primeiro filme, que tiveram enorme apelo popular.

É a "Tropa de Elite 2", novo longa-metragem de José Padilha.

"O inimigo agora é outro" - subtítulo que ilustra o enfrentamento do Coronel Nascimento e da sociedade brasileira - policiais e políticos corruptos, além das milícias e dos grupos de extermínio, torna os traficantes meros "Zés", pobres coitados que não tem nem nome ou qualquer destaque no longa-metragem. Os próprios soldados do BOPE agora são apenas coadjuvantes, descem do patamar de mitos criado no primeiro filme.

Isso porque Nascimento se torna sub-secretário de segurança do Estado do Rio, começando a trabalhar no setor da inteligência da polícia militar. Ele reforça o BOPE, afasta o tráfico de grande parte das favelas cariocas, porém se vê cercado por uma corja de policiais e políticos que substituem os traficantes como os antagonistas da história.

A violência excessiva de grande parte das cenas continua, porém agora sem demonstrar o "sentimento de justiça" que antes causava no público. Isso porque outra violência, esta dos governantes com a segurança e o bolso dos contribuintes, está muito mais escancarada, e toma a posição central da trama.

O conflito envolvendo Nascimento(Wágner Moura) e Fraga(Irandhir Santos), que vive um militante dos Direitos Humanos e deputado federal de esquerda, constrói um paradoxo interessantíssimo entre as ideologias defendidas por ambos, observa suas contradições, mina seus anseios, e constata que mesmo com visões de mundo diferentes eles combatem um sistema único, forte e que se renova através da miséria e da morte de inocentes.

Nascimento tenta buscar redenção com suas ações. Não como um bastião da moralidade, mas como ser humano. Afastado do filho, cujo padastro é justamente Fraga, vê sua vida pessoal decaindo conforme cresce a sua imagem enquanto assassino - na visão do garoto.

É a partir desse momento que o homem substitui o policial e passa a corresponder aos anseios da sociedade que praticamente lhe dá carta branca para executar suas tarefas. Assume erros, tenta corrigí-los, mas como toda pessoa normal, não chega à perfeição, mesmo que muitos o vejam como herói.

Será que agora o líder da Tropa está contra a Elite?

É um funcionário da mão armada do estado, ao mesmo tempo em que vira um refém da macro-estrutura corrupta que dele brota. Com suas palavras e provas, derruba um daqueles famosos apresentadores de programas de TV policiais, vivido brilhantemente por André Mattos, mas vê um governador - chefe da quadrilha, ser reeleito.

Nas milícias, os policiais substituem uns aos outros na arte de matar e faturar altas quantias, traindo e "queimando" antigos comparsas como numa boca de fumo comandada por traficantes. Enquanto o coronel tenta eliminar o sistema, ele se recicla, passa por transformações, mas mantém sua essência, a corrupção e a violência.

Muito para um "herói".

Seu heroísmo maior é deixar um alerta vermelho para a população.

Se o sistema continuar como está, não há Coronel Nascimento que resolva!

E quem serão os responsáveis por mudá-lo?

Nem as elites, nem as tropas.