sábado, 30 de janeiro de 2010

Memória se perdendo nos jornais - Quando a tecnologia não supera a história

Encerrei ontem o segundo período de pesquisa referente ao filme Redenção, primeiro longa-metragem baiano, lançado em março de 1959, e que está sendo restaurado como parte do projeto de Memória de Roberto Pires, o diretor da película.

Entre uma infinidade de jornais antigos guardados na Biblioteca do Estado da Bahia(Barris), atento quase que exclusivamente às notícias que davam conta das peripécias dos membros da Iglu(Produtora do filme) na elaboração do trabalho, e também da expectativa da crítica especializada e do público para com a estréia, pude passar os olhos sobre outros inúmeros aspectos que diferenciam os jornais daquela época para os de hoje.

A linguagem noticiosa, a começar. A utilização de termos e a mudança de algumas palavras são naturais, mas como entender o fenômeno da inversão da ordem direta quando da elaboração dos títulos e subtítulos, do excesso de uso dos dois pontos(:) para introduzir o nome de um local após dizer o que lá se passou?

Reportagens começavam na primeira página e terminavam na terceira, mas sem pausa, com o leitor tendo de ser interrompido por um parênteses() com os seguintes dizeres: "Continua na página x", e tendo de ir até lá para não perder seu raciocínio. As notícias eram muitas, e mal distribuídas, e as fotos deixavam a desejar, assim como a diagramação.

Impossível seria exigir que naquela época houvesse tecnologia e instrução suficientes para tornar os jornais mais aprazíveis, fato que impede qualquer comparação estética com os existentes hoje.

Agora o que pode ser comparado e muito é a falta de conteúdo das publicações modernas perto do que se colocava diariamente há mais de 50 anos.

Está certo que entre outubro de 1958 e abril de 1959 - período que pesquisei, estourava a Revolução Cubana, a Guerra Fria esquentava, os marechais e generais brasileiros já se agitavam, Brasília era construída, mas será que hoje acontece tão menos que isso para os jornais se dedicarem a tanta fofoca, big brother, novela e dietas?

Sim, as colunas sociais já existiam, os destaques à alta sociedade também, incluindo as fotos das senhoras mais elegantes do pedaço, todas com o nome do marido(Ex: Sra. Manoel Dias da Silva), uma vez que no período nem o código civil nem a luta das mulheres era suficiente para abolir o machismo predominante.

Agora a quantidade e qualidade do noticiário geopolítico, esportivo, econômico e cultural colocava no chinelo qualquer jornalão atual, e isso com um número de páginas infinitamente menor, além de todas as restrições citadas no terceiro e quarto parágrafo deste texto. E a pergunta que vai para os jornais brasileiros de hoje é: O que aconteceu?

Internet em voga e cada dia mais utilizada para um complemento ao impresso, milhares de avanços e evoluções em termos de infográficos, programas de tratamento de imagens, difusão do conhecimento tecnológico, e se esquecem de pensar que ainda tem que existir palavras ali, e formas de misturá-las para cativar quem lê.

Parece até que o passar do tempo faz de quem escreve menos capacitado, e quem surge como inovador da ditadura da imagem, o salvador do jornalismo. Precisam os dois se integrar, sem que haja prejuízos para nenhum dos lados. Por que não um jornal esteticamente belo e com profundidade de análise, apuração e crítica? Ainda é possível.

Enquanto isso, a qualidade física do material pesquisado...

Dessa boa experiência de trabalho permanece um único lamento: O estado calamitoso de alguns exemplares encontrados na biblioteca dos Barris. Rasgados, amassados, dobrados e com orelhas, muitos esfarelando e colados com durex, exemplares do A Tarde, Diário de Notícias, A Bahia e O Estado da Bahia pedem socorro!

Se foi essa administração ou a anterior que deixou a memória do estado nessa situação não me interessa. Só me importo com as pessoas que virão depois de mim para conseguir alcançar, com suas pesquisas, os resultados esperados, sem perder nem uma letra.