quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Por que a culpa é sempre da chuva!?



E a velha conversa fiada segue a todo vapor.

Quando não, a geografia e o relevo dos locais atingidos pelas enchentes são apontados como os responsáveis pelas tragédias que continuam a acontecer em nosso país, ceifando milhares de vidas e histórias. Mesmo depois de muitas explicações e justificativas das autoridades, elas não conseguem ser contidas quando da próxima tempestade.

Santa Catarina, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Pernambuco, Alagoas, Bahia. Mortes e mais mortes extremamente evitáveis se tornando rotina nos meses de janeiro e fevereiro e até março, quando as águas do verão deixam de cair em profusão.

Mas será mesmo que os vendavais, a localização dos rios e a estrutura dos morros, sozinhos, são suficientes para desenvolver tamanho caos!? Posso dizer que não, justamente por ter sido atingido duas vezes por enchentes, e observar que o homem tem papel fundamental nesse processo, em diversos aspectos.

Em fevereiro de 1994, quando residia no centro da cidade de São Pedro-SP, minha casa foi invadida pela lama e pelos entulhos graças a uma ação da prefeitura, que resolveu por conta própria destruir os muros de uma enorme mansão/sítio próximo, que estava tomado pelas águas e cujo proprietário possuía uma enorme influência econômica na localidade do interior.

Em 20 de janeiro de 2005, na mesma cidade, morando em um condomínio, novamente fui atingido junto com minha família e alguns vizinhos, desta vez com mais intensidade, depois que a ponte que passava sobre um rio próximo estourou.

Mesmo após as tentativas do dono do local, do engenheiro que fez o projeto e do secretário de agricultura do município em inventar desculpas e responsabilizar a "tromba d'água" pelo acontecido, a Justiça provou que a ponte foi mal calculada pelo engenheiro civil, o proprietário cometeu crime ambiental - construiu em Área de Proteção Ambiental, e em consequência disso as casas foram devastadas.

Episódios pessoais que podem ser utilizados como exemplo para o drama das pessoas que agora sofrem em Teresópolis, Nova Friburgo e Petrópolis, e outras que já passaram pelo mesmo em Angra dos Reis, São Luis do Paraitinga, Franca e outras cidades que vão sendo esquecidas pelo tempo.

Onde está o planejamento urbano destes locais? De nada adianta verba para prevenção de enchentes, tão reclamada pelo governador do Rio Sérgio Cabral e escondida pelo ex-ministro da Integração Nacional Geddel Vieira Lima, se sempre houve irresponsabilidade no manejo das edificações dentro desses espaços.

Porque chover sempre choveu, deslizar terra sempre deslizou, e encher o rio sempre encheu. Mas construir em cima do morro, devastar mata ciliar a favor do progresso, exagerar no concreto e jogar lixo em local inapropriado é um fenômeno antrópico. Portanto, se agora chove mais forte e consequentemente as casas desmoronam isso nada mais é que um fruto da ação humana.

Infelizmente a solidariedade nesses momentos, tão importante para o auxílio aos atingidos, acaba por ser utilizada pelos mal intencionados empresários, prefeitos e governadores para se auto-promover e, na maioria dos casos, se isentar ou então não falar sobre as verdadeiras faces das enchentes, que estão ligadas à permissão diária de construções irregulares e da degradação ambiental que não se interrompem de forma alguma, com chuva ou sem chuva.

Posicionamento midiático

Ontem retweetei um post do @surra que dizia o seguinte: O que eh pior? O Alckmin afirmar q "nao se resolve problemas de enchentes em 24hs" ou nenhum reporter replicar "e em 16 anos?"

Pior é ser uma imprensa que desvia o foco dos reais problemas da atual conjuntura e continua se preocupando apenas com o factual que lhes fornece audiências recordes, sem aprofundar uma temática tão delicada conforme ela necessita ser explorada.

É tão difícil assim buscar a opinião de profissionais e pessoas que tem experiência na área para informar melhor a população e, dessa forma, contribuir para diminuir as catástrofes ou ao menos remediá-las!? Mas não, eles querem heróis, sobreviventes e novelas dramáticas, o público é fiel.

No máximo canais de TV a cabo consultam especialistas em gerenciamento de áreas de risco e em emergências(geólogos, arquitetos e engenheiros) ou seja, gente que vai detalhar o que aconteceu e falar sobre o que pensa estar errado - o que é muita coisa, mas que tem um espaço mínimo na pauta do noticiário.

Nosso preparo para com as enchentes consegue ser pior que o dos países paupérrimos do sudeste asiático que resistem bravamente às monções - Índia, Bangladesh, Sri Lanka, entre muitos outros onde o estado miserável das finanças locais, a altíssima densidade populacional e aí sim a carga absurda de chuvas unidas destroem tudo sem deixar chance para sobrevivência e, de alguma forma, justificam o acontecido.

Aqui morrem pobres, ricos, ricaços, trabalhadores de classe média, turistas e o mais grave, falece a dignidade, sobrevive a humilhação de catar os escombros, puxar a lama com a enxada, chorar os desaparecimentos e as perdas materiais, enquanto os erros grotescos e as medidas paliativas caminham para a eternidade.