sábado, 22 de fevereiro de 2014

A espiral da incoerência que move a sociedade brasileira quando o assunto é racismo

Retomo neste sábado as atividades do blog, congeladas desde o fim das manifestações de junho de 2013, para tratar de um tema/crime que vem ocupando de forma mais recorrente o noticiário: O Racismo.

Matéria publicada pelo jornal Folha de São Paulo na edição de hoje, 22/02, relata a condenação de uma aposentada de 72 anos a 4 anos de prisão em regime semi-aberto por racismo.

Eis o link com a reportagem: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/02/1416238-aposentada-e-condenada-a-quatro-anos-de-prisao-por-racismo.shtml

Davina Castelli teve a prisão decretada pela Justiça de forma imediata.

O episódio aconteceu em um shopping da avenida Paulista, em 2012, quando a referida senhora se dirigiu a duas mulheres e um homem negros com os seguintes dizeres:

"Macaca, eu não gosto de negro; negro é imundo. A entrada de negros no shopping deveria ser proibida. Negro é favelado".

O que pretendo escancarar neste post é a incoerência e a interpretação por conveniência que devem contaminar a partir desse episódio a opinião e o discurso daqueles que defendem a lógica do "Bandido Bom é Bandido Morto", dentre outras "correntes de pensamento",  além de analisar de onde parte tamanho ranço proferido por essa mulher.

A idosa condenada é conhecida há tempos na região onde ocorreu o crime.

Com um andador como apoio, ela caminha por espaços públicos bradando impropérios e ofensas apenas contra pessoas negras.

Um atendente de farmácia, por exemplo, já ouviu: "Quero ser atendida por uma pessoa que seja da minha cor!"

O porteiro do prédio onde ela mora foi seu alvo: "Macaco! Volta pra selva!"

Um policial militar também foi humilhado por seus xingamentos.

Será que ela é louca? Tem transtornos mentais? Não.

Ranzinza? De mal com a vida? Talvez, mas isso nada tem a ver com o caso.

Para começo de conversa, o que move esta senhora de idade a continuar a xingar pessoas negras pelo fato de serem negras é a tão santificada "sensação de impunidade", lembrada por aqueles que são a favor da justiça feita com as próprias mãos ou mesmo da reforma do sistema penal, mas lembrada apenas quando tratam de homicídios, assaltos ou furtos, entre outros crimes.

A pessoa que insiste em manter essas ofensas como parte de sua rotina diária não só se considera acima da lei, que prevê a tipificação do racismo como crime inafiançável, como também acredita ser um ser superior aos demais, sobretudo aqueles que são violentados por suas palavras, os negros.

Davina Castelli é aposentada como funcionária jurídica da Aeronáutica, e após ser notificada sobre o sétimo boletim de ocorrência em que era acusada de racismo, em vez de ser levada à delegacia, simplesmente disse que precisava tomar um remédio e se trancou dentro de seu apartamento.

Com o caso encaminhado aos tribunais pela primeira vez, ela não só não contratou advogado para se defender como também ignorou o oficial de justiça que foi lhe comunicar sobre o processo.

Vejam que foi essa desobediência à ordem que motivou a juíza a decretar a prisão da idosa, e não o racismo.

E apesar desse racismo ser tão evidente, os policiais civis que atenderam à ocorrência tentaram convencer os três negros ofendidos a não registrarem o caso porque "não iria dar em nada mesmo".

Pois não é que deu!? Além da condenação, ainda uma multa em caráter indenizatório de quase R$30 mil a cada uma das pessoas atacadas pela idosa.

Mas o que mais deve incomodar neste momento aos racistas enrustidos, aos legalistas de plantão, aos justiceiros da sociedade e até mesmo aos defensores de velhinhas indefesas é a espiral de incoerência em que podem entrar ao analisar a conjuntura envolvendo esse caso e comparar sua própria reação diante de outros crimes considerados mais graves.

Os eternos defensores da lógica do "olho por olho, dente por dente" e sua musa Sherazeda, o que dirão?

Que uma gangue de black powers pode espancar a velha e a prender em um poste?

Calma lá, se ainda fosse um negro suspeito de cometer assaltos na zona sul do Rio de Janeiro, nós brancos e de classe média poderíamos fazer justiça com as próprias mãos, mas com ela é exagero.

Agora vou para os adeptos de Ku Klux Klan que só se revelam anônimos nos comentários de sites de notícias.

Acho que eles vão apelar para a liberdade de expressão que em um país democrático todos devem ter.

Ofender negros por serem negros, para esses indivíduos, deve se equiparar ao direito de criticar a política econômica do governo.

E quanto aos juristas, que na letra fria da lei, interpretam essa situação como "ofensa racista"?

"Potencial ofensivo pequeno", pensarão. Tem que ser punido, mas com razoabilidade. Pessoa acima dos 70 anos, pouca mobilidade - usa um andador, deve ter outros problemas de saúde.

Colocá-la para dormir na cadeia seria um distúrbio jurídico.

Vamos deixá-la em sua residência da avenida Paulista tranquila, ou na casa que tem no Guarujá descansando dessa situação estressante e onde se refugiou da realidade da sentença.

Mexer no bolso com a multa vai resolver...

Imagino agora a filha de uma das mulheres ofendidas, que com apenas 8 anos, viu a mãe sendo chamada de "macaca" por uma mulher branca, dentro de um shopping lotado.

Para que levariam isso em consideração? Afinal, que impacto vai ter essa ofensa na vida dessa criança? Nenhum não é mesmo!?

A senhora em questão inclusive, como não quis um advogado - provavelmente por achar que mais uma vez "não daria em nada", conta atualmente com respaldo da Defensoria Pública.

Tudo bem vai, vivemos em um país onde todos têm esse direito, apesar de uns terem mais direitos que os outros.

Os defensores já recorreram da condenação. Sustentam que as provas reunidas contra Davina Castelli são "frágeis" porque nenhum PM foi ouvido. Na verdade, dois deles são testemunhas do ato racista.

Frágeis!? Porra!


Vejam vocês mesmos:

Nestas imagens, gravadas pela TV Record, em 2011, a mesma mulher chega até dois PMs e exige que um morador de rua seja tirado do caminho por onde ela passava.

E com essas palavras: "Tirem esse lixo, tirem esse macaco da minha frente".

O "lixo" e "macaco" era uma pessoa com deficiência física, que se locomovia arrastando as pernas no chão.

Precisa de mais? Do que mais se precisa para condená-la? Precisa esperar que ela pegue seu andador e bata na cabeça de um negro paralítico até matá-lo?

Não precisa.

O que é preciso é as pessoas entenderem de uma vez por todas que o racismo, em todas as suas variantes, é inadmissível em nosso mundo e que precisa ser extinto, doa a quem doer.

Não importa quem o prolifere, o importante é minar qualquer tentativa de justificar esses ataques contra os negros e de querer taxar esses casos como de pouca gravidade.

Punir esse exemplo clássico de impunidade, sem tortura, sem ódio e sem agressões, mas também com critério e com justiça de fato, e não de conveniência, pode ser um bom começo para que nossa sociedade galgue um patamar superior e deixe a idade da pedra quando o assunto é humanidade e cidadania.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Outro motivo para criar este blog foi a impaciência com comunidades orkutianas e grande portais de notícias devido a exerceram a tal moderação.

Poder moderador é coisa de Brasil colonial, intolerante, arbitrário, conservador e descabido. Aqui o comentarista se modera.

Caso ofenda alguém, vai ser ignorado, nunca banido. Até perceber e se conscientizar. Opiniões divergentes, por favor, quero que surjam sempre.