terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Morte de uma entrevista anunciada

Acordei bem disposto, tomei banho, aparei a barba, coloquei aquela camisa no corpo e aquele gel no cabelo, todo o estereótipo padrão preparado, chato e infelizmente necessário, visando garantir uma entrevista tranquila para a reportagem da nova revista que começo a fazer.

Indeciso sobre se pegaria o ônibus ou o táxi para chegar até o meu destino, distante pelo menos 9km de onde moro, resolvi pela segunda opção, dado o calor excessivo que me deixaria exposto às ações de minhas excitadas glândulas sudoríparas e a pressa para chegar.

No entanto após dez passos saídos do prédio me lembrei do esquecimento das perguntas já previamente preparadas, estudado o assunto durante mais de duas horas na noite anterior, para não incorrer em cagadas nem enganos.

Volto para o apartamento e na hora de abrir a porta não consigo porque a sua já comprometida fechadura quebra minha chave, e eu tenho de esperar por meu colega de apartamento atender à estrondosa campainha e me ajudar nessa.

Saio em polvorosa e custo a achar o transporte, até que chego em um ponto onde sei sempre está algum de bobeira. Entro feito um maluco e já vou passando as instruções do endereço, sem esquecer de cumprimentar o cara, como de costume.

A conversa flui muito bem, é um profissional gente boa, que se interessa pelo trabalho de seus clientes e suas origens. As risadas e as informações vão tranquilas, mesmo com o trânsito monstruoso ali ao lado, até o maldito celular começar a vibrar e tocar.

Do outro lado da linha, a temida secretária do entrevistado, com voz de sono, me quebra no meio. "Infelizmente surgiu um imprevisto porque o senhor x foi ao dentista e devido a uma anestesia não poderá conversar hoje. Vamos ter de remarcar." Encerra.

Digo logo que tudo bem, abstraio, penso, faço xingamentos silenciosos incontáveis, e desligo logo o telefone para não proferir besteiras. Peço ao camarada taxista que faça o retorno e me deixe em casa, e me despeço com R$20 a menos na mão e um milhão de ideias na cabeça.

Chego em casa, tomo minha gelada e sagrada água, reflito novamente e tenho novamente de abstrair. O trabalho continua em outras frentes - clipagem, livro, assessoria, e o que mais vier, e não é uma falta de atenção em me avisar com antecedência que vai me desestruturar.

Alguns diriam: "Não devia ter saído de casa hoje". Outros gritariam, dariam murros em paredes ou em portas, quebrariam copos ou rasgariam papel, mas eu passei dessa fase grotesca. Estou mais tranquilo do que nunca.

A toada segue e a melodia não pode parar. Mesmo que haja sempre algum descompasso de um instrumentista insistente em errar.

A entrevista foi como Santiago Nasar, do livro Crônica de uma morte anunciada, de Gabriel García Márquez. Já sabia de seu bater de botas antes de acontecer.

Mas não descansarei para ficar remoendo e chorando o falecimento. Antes que a ressuscite, vou me ocupar com aquelas que continuam vivas.

3 comentários:

  1. Eu amei o post, e o blog todo... jah vou seguir,rs.

    Eu ainda estou na fase do quebrar copos e rasgar folhas, mas um dia isso passa né!?rs

    beijos

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  2. Em outros tempos, como nos de Chiapas, você quebraria os copos hein Gigio?? haha

    Brincadeiras a parte, infelizmente, somos reféns dos "digníssimos" entrevistados. Espero ao menos que esse cara valha uma boa entrevista (seja para qual dos seus 1001 projetos que você irá entrevistá-lo).

    Força nas próximas.
    Fico feliz que as coisas na Bahia estejam andando bem.

    Abraços

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  3. O ódio no coração pelo infortúnio causado tem saída quando se consegue literalmente esvaziar a cabeça e se organizar pelos outros projetos.

    A fase passa aos poucos, com a experiência que vai se ganhando e aprendendo.

    A entrevista vai render, quando for feita, mas felizmente hoje a pressa não é minha.

    Nada como ter opções e não depender de apenas uma fonte de trabalho.

    Obrigado pelos comentários!
    Abraço para o senhor e beijo para a senhorita!

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