quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Legalismo faz nova cruzada contra a subsistência do ser humano



Me impressiona e me revolta cada vez mais a truculência adotada pelas forças policiais paulistas para reprimir práticas condenáveis pela lei mas que, em certa medida, são utilizadas como única alternativa por algumas pessoas para conseguir sua sobrevivência.

Nesta quinta-feira, 29 de novembro, eu esperava na fila de um caixa de supermercado quando de repente uma confusão se viu armada na frente do devido estabelecimento. Dois guardas civis metropolitanos tentavam prender um vendedor de CD’s e DVD’s piratas.

O homem, que atua nas proximidades da loja há bastante tempo, correu para dentro e “escapou” por um instante dos agentes. Em menos de cinco minutos, no entanto, eles conseguiram convencer o gerente a permitir sua busca, mesmo com os protestos de parte dos clientes.

Não acompanhei o desdobramento do caso, que muito provavelmente deve ter seguido  esta ordem de acontecimentos: Porrada, apreensão, detenção. Acusação: Comércio ilegal, que não geraria imposto ao governo e daria prejuízo às megacorporações que monopolizam os originais.

Aí é que vem o questionamento.  A quem interessa a saída de circulação deste rapaz, que estava apenas exercendo o seu trabalho, já que muito provavelmente não teve melhores oportunidades de ocupação, muito menos estudo suficiente para garantir remuneração privilegiada?

É de conhecimento geral da nação que o Estado e a Prefeitura de São Paulo pagam muito mal seus policiais militares e guardas civis e que, se aproveitando da fragilidade financeira e tradicional aprendizado repressor de seus comandados, oferecem a eles a chance de elevar seu ordenado por meio da chamada “Operação Delegada”, na qual atuam fora do horário de serviço a fim de combater os ambulantes que não possuem registro na capital.

Com as festas cristãs de fim de ano chegando, esta ação se potencializa, e intencionalmente fornece aos responsáveis pela manutenção do status, mais conhecido e proliferado como ordem da sociedade brasileira, o direito de fazerem o que bem quiserem contra os contraventores.

Até que ponto essa ação cotidiana dos agentes protege o cidadão? Não deixa que ele compre um disco que vai estragar seu aparelho de DVD, dessas mentiras bizarras insistentemente contadas  antes do início de um filme de um grande estúdio norte-americano?

Ou então força o brasileiro médio a gastar o que não tem com um modelo original, que custa quatro, cinco, seis vezes mais caro, apesar da qualidade oferecida ser a mesma, sendo que a maior parte desse valor equivale ao lucro das empresas.

Contos da carochinha se mantém atualizados para justificar que o produto pirata desperdiça empregos na indústria fonográfica, além de atrapalhar atores, bandas e artistas que deixam de receber a sua porcentagem na comercialização das mídias.

Você aí, acha mesmo que os grupos musicais ficam dependendo dos 5, no máximo 10% a que tem direito de um CD para tocar a vida? E os grandes elencos hollywoodianos, esperam pelo sucesso de uma película para irem buscar sua grana no departamento de RH!?

Pior é ainda ouvir sobre a absurda tese de que esses camelôs, nas contas dos diversos governos, movimentam dezenas de milhões de reais todos os anos e impedem novos investimentos em todos os setores da economia e no atendimento à população.

Mas não são essas mesmas esferas do poder executivo, seja ele federal, estadual ou municipal, que enchem as burras ano a ano ininterruptamente com uma carga tributária considerada uma das piores em termos de custo benefício de todo o mundo, na qual faturam através da incidência de alíquotas sobre mercadorias, serviços, tarifas bancárias, multas, dentre outras fontes de origem, sem oferecer ao cidadão brasileiro o mínimo para seu bem-estar na educação, na saúde, na habitação, no tratamento de água e esgoto, no transporte e na geração de empregos?

Então não temos porque ter mais dificuldades em entender que o responsável por gerar todo esse comércio paralelo é o mesmo que o reprime violentamente. Não dá as condições para que a pessoa estude e se profissionalize e não concede a ele oportunidades que não sejam para atividades extremamente aviltantes.

Muito pior que isso, abre as pernas às empresas que prometem mundos e fundos ao país, ao estado e ao município, muitas vezes com isenção  fiscal plena, financiamentos de bancos estatais, doação de terreno, dentre outros benefícios, em troca de uma quantidade insuficiente de empregos que fosse adequada às necessidades das pessoas, sendo parte deles oferecidas a profissionais altamente qualificados em universidades e cursos técnicos, e a outra a operários integrantes da massa que atualmente não têm mais chances apenas com o ensino fundamental.

Os ambulantes onde entram nesse cálculo? Não entram. Apesar de também pagarem impostos, como eu e você, quando vão a um supermercado comprar o leite para o filho, por exemplo.  Mas como não têm opções nem dinheiro  suficiente para bancar o aluguel de uma loja onde poderiam revender produtos originais ou empreender qualquer outra ocupação, nem mesmo formação suficiente para conseguir emprego em uma fábrica, eles acabam sendo tratados como criminosos.

Esse cenário é perfeito para as três esferas de governo, que querem continuar a faturar seus salários estratosféricos, mesmo que os senadores não paguem Imposto de Renda por quatro anos e joguem para o contribuinte a responsabilidade pelo custo.

De quebra, controlam a classe mais instável dentre os mantenedores da ordem: os policiais e guardas, que não ficarão descontentes com os valores de seus contracheques no fim do mês, não se amotinarão e, em tese, não vão atuar como seguranças privados e em esquadrões da morte.

A ideia também é excelente para o empresariado. O fonográfico, que vê mantido o crescimento de suas taxas de lucro, e o das companhias que se instalam no país já com o discurso pronto, reclamando do excesso de tributos e de direitos trabalhistas, e são prontamente atendidas.

Depois dessa exposição, será que ainda há dúvida sobre quem realmente é o bandido e quem é a vítima desse processo?

Vamos continuar propagando a ideia legalista e burra, que não explora todas as nuances dessas ações, para justificar o procedimento repressor?

Já passou há muito tempo a hora de avançar o sinal, no sentido de identificar e enfrentar todo esse monstro político-corporativo, que com a ajuda midiática, deixa o cidadão alienado perante as injustiças mais covardes cometidas contra si mesmo.