Me
impressiona e me revolta cada vez mais a truculência adotada pelas forças
policiais paulistas para reprimir práticas condenáveis pela lei mas que, em
certa medida, são utilizadas como única alternativa por algumas pessoas para
conseguir sua sobrevivência.
Nesta
quinta-feira, 29 de novembro, eu esperava na fila de um caixa de supermercado
quando de repente uma confusão se viu armada na frente do devido
estabelecimento. Dois guardas civis metropolitanos tentavam prender um vendedor
de CD’s e DVD’s piratas.
O homem,
que atua nas proximidades da loja há bastante tempo, correu para dentro e
“escapou” por um instante dos agentes. Em menos de cinco minutos, no entanto,
eles conseguiram convencer o gerente a permitir sua busca, mesmo com os
protestos de parte dos clientes.
Não acompanhei
o desdobramento do caso, que muito provavelmente deve ter seguido esta ordem de acontecimentos: Porrada,
apreensão, detenção. Acusação: Comércio ilegal, que não geraria imposto ao
governo e daria prejuízo às megacorporações que monopolizam os originais.
Aí é que
vem o questionamento. A quem interessa a
saída de circulação deste rapaz, que estava apenas exercendo o seu trabalho, já
que muito provavelmente não teve melhores oportunidades de ocupação, muito
menos estudo suficiente para garantir remuneração privilegiada?
É de
conhecimento geral da nação que o Estado e a Prefeitura de São Paulo pagam
muito mal seus policiais militares e guardas civis e que, se aproveitando da
fragilidade financeira e tradicional aprendizado repressor de seus comandados,
oferecem a eles a chance de elevar seu ordenado por meio da chamada “Operação
Delegada”, na qual atuam fora do horário de serviço a fim de combater os
ambulantes que não possuem registro na capital.
Com as
festas cristãs de fim de ano chegando, esta ação se potencializa, e
intencionalmente fornece aos responsáveis pela manutenção do status, mais
conhecido e proliferado como ordem da sociedade brasileira, o direito de fazerem o que bem quiserem contra os contraventores.
Até que
ponto essa ação cotidiana dos agentes protege o cidadão? Não deixa que ele
compre um disco que vai estragar seu aparelho de DVD, dessas mentiras bizarras
insistentemente contadas antes do início
de um filme de um grande estúdio norte-americano?
Ou então
força o brasileiro médio a gastar o que não tem com um modelo original, que
custa quatro, cinco, seis vezes mais caro, apesar da qualidade oferecida ser a
mesma, sendo que a maior parte desse valor equivale ao lucro das empresas.
Contos da
carochinha se mantém atualizados para justificar que o produto pirata
desperdiça empregos na indústria fonográfica, além de atrapalhar atores, bandas
e artistas que deixam de receber a sua porcentagem na comercialização das
mídias.
Você aí,
acha mesmo que os grupos musicais ficam dependendo dos 5, no máximo 10% a que
tem direito de um CD para tocar a vida? E os grandes elencos hollywoodianos,
esperam pelo sucesso de uma película para irem buscar sua grana no departamento
de RH!?
Pior é
ainda ouvir sobre a absurda tese de que esses camelôs, nas contas dos diversos
governos, movimentam dezenas de milhões de reais todos os anos e impedem novos
investimentos em todos os setores da economia e no atendimento à população.
Mas não são
essas mesmas esferas do poder executivo, seja ele federal, estadual ou
municipal, que enchem as burras ano a ano ininterruptamente com uma carga
tributária considerada uma das piores em termos de custo benefício de todo o
mundo, na qual faturam através da incidência de alíquotas sobre mercadorias,
serviços, tarifas bancárias, multas, dentre outras fontes de origem, sem
oferecer ao cidadão brasileiro o mínimo para seu bem-estar na educação, na
saúde, na habitação, no tratamento de água e esgoto, no transporte e na geração
de empregos?
Então não
temos porque ter mais dificuldades em entender que o responsável por gerar todo
esse comércio paralelo é o mesmo que o reprime violentamente. Não dá as
condições para que a pessoa estude e se profissionalize e não concede a ele
oportunidades que não sejam para atividades extremamente aviltantes.
Muito pior
que isso, abre as pernas às empresas que prometem mundos e fundos ao país, ao
estado e ao município, muitas vezes com isenção
fiscal plena, financiamentos de bancos estatais, doação de terreno,
dentre outros benefícios, em troca de uma quantidade insuficiente de empregos
que fosse adequada às necessidades das pessoas, sendo parte deles oferecidas a
profissionais altamente qualificados em universidades e cursos técnicos, e a
outra a operários integrantes da massa que atualmente não têm mais chances
apenas com o ensino fundamental.
Os
ambulantes onde entram nesse cálculo? Não entram. Apesar de também pagarem
impostos, como eu e você, quando vão a um supermercado comprar o leite para o
filho, por exemplo. Mas como não têm opções
nem dinheiro suficiente para bancar o
aluguel de uma loja onde poderiam revender produtos originais ou empreender
qualquer outra ocupação, nem mesmo formação suficiente para conseguir emprego
em uma fábrica, eles acabam sendo tratados como criminosos.
Esse cenário
é perfeito para as três esferas de governo, que querem continuar a faturar seus
salários estratosféricos, mesmo que os senadores não paguem Imposto de Renda
por quatro anos e joguem para o contribuinte a responsabilidade pelo custo.
De quebra,
controlam a classe mais instável dentre os mantenedores da ordem: os policiais
e guardas, que não ficarão descontentes com os valores de seus contracheques no
fim do mês, não se amotinarão e, em tese, não vão atuar como seguranças
privados e em esquadrões da morte.
A ideia
também é excelente para o empresariado. O fonográfico, que vê mantido o
crescimento de suas taxas de lucro, e o das companhias que se instalam no país
já com o discurso pronto, reclamando do excesso de tributos e de direitos
trabalhistas, e são prontamente atendidas.
Depois
dessa exposição, será que ainda há dúvida sobre quem realmente é o bandido e
quem é a vítima desse processo?
Vamos
continuar propagando a ideia legalista e burra, que não explora todas as
nuances dessas ações, para justificar o procedimento repressor?
Já passou
há muito tempo a hora de avançar o sinal, no sentido de identificar e enfrentar
todo esse monstro político-corporativo, que com a ajuda midiática, deixa o
cidadão alienado perante as injustiças mais covardes cometidas contra si mesmo.