O prefeito de São Paulo pagou R$3 milhões à empresa responsável pela implosão do resistente prédio situado na favela do Moinho, região central da cidade, que sofreu um incêndio em 22 de dezembro e foi completamente destruída.
No domingo os dois primeiros andares do edifício de uma antiga fábrica vieram abaixo, mas os quatro superiores se mantiveram firmes. Os vidros e os telhados de 12 casas do bairro Campos Elísios, em compensação, foram danificados.
Eu moro a cerca de 600 metros do local e senti um estrondo quando descansava tranquilamente no sofá, por volta das 17h40 do último domingo. Achei que tinha caído um avião no prédio, ou que o mundo ia acabar, tamanho o impacto absurdo que fez tremer a sala feito vara verde.
Kassab não perdeu tempo para dizer que a empreitada foi bem sucedida, já que as linhas 7 e 8 da CPTM, vizinhas ao muro do prédio que ameaçava cair, foram liberadas e os trens voltaram a circular normalmente.
Acontece que as pessoas que moravam no prédio abandonado agora migraram para a vizinhança, dormindo nas calçadas e mexendo no lixo, que os moradores e comerciantes insistem em colocar na rua fora do horário de coleta.
Isso mesmo com a Prefeitura dando multas pela irregularidade, já que o município não tem capacidade para orientar a população, pois é ávido por punir apenas financeiramente e arrecadar em excesso sem que o dinheiro retorne em forma de benefícios.
Em busca de latinhas e outros produtos recicláveis, ou mesmo de comida que sobra, esses transeuntes desesperados rasgam os sacos e deixam o restante da sujeira nas calçadas.
Os garis que trabalham para as empresas vencedoras da licitação da limpeza pública da cidade, que iniciaram seus serviços há cerca de um mês, são orientados a ficar longe dali.
Na minha opinião eles nem podem ser obrigados a dar conta desse entulho. Os lixeiros, muito menos. Sua função já subvalorizada não deve incluir catar lixo espalhado pela rua.
Só que o caos é ainda maior, já que além de mexer nos detritos os moradores de rua evacuam e urinam no chão.
Essa combinação fecal, acrescida ao calor imprevisível do verão paulistano, torna o ambiente do bairro insalubre e fétido, causando transtornos em larga escala a toda a comunidade do entorno e à saúde dos próprios mendigos, já bastante castigada pelas péssimas condições de vida em que se encontram.
O problema da sujeira e da falta de atenção da administração ao centro já é bastante conhecido, mas nos últimos dias está extremamente insuportável, graças à ação de expurgo perpetrada pela Prefeitura na favela do Moinho.
E a chegada da temporada de chuvas vai mais uma vez mostrar como a estratégia é equivocada e um problema simples vai se transformar em um caos já bastante comum à cidade nesse período.
Indago se não seria mais interessante usar um terço que fosse dessa dinheirama jogada nos cofres da empresa de demolição, que aliás fez um serviço de merda, para reconduzir essa gente que já perdeu a dignidade há muito tempo de volta ao mundo dos vivos.
Um "mísero" milhão de reais, que serviria para iniciar a ressocialização, alimentação, higiene, tratamento de saúde, compra de roupas, ensino, trabalho, acesso à cultura e centenas de outras necessidades prementes desses cidadãos esquecidos pelo mundo.
E não estou sequer contando as diversas famílias que perderam suas casas para o fogo e agora vão receber a quantia insólita de R$300 mensais durante este semestre até que consigam se reerguer e procurar um novo lar.
Por que o prefeito não usou o segundo milhão para construir habitações populares a pelo menos 50 famílias que perderam praticamente todos os seus pertences no incêndio?
E o terceiro milhão, gasto com parcimônia, serviria para o contrato de uma companhia de implosão mais competente para executar o serviço no antigo Moinho Matarazzo.
O impressionante na verdade é saber que por conta da urgência da demolição a administração municipal pegou o primeiro canastrão que apareceu sem saber da qualidade oferecida para a demanda.
E deu no que deu. Usaram 800 kg de dinamite, quando especialistas ouvidos pelo jornal Folha de São Paulo disseram que uma quantidade entre 75 kg e 200 kg seria suficiente.
Passada a besteira feita no local, pensemos no que se pretende fazer com o que sobrou.
Apressado em vistoriar o espaço e agradar à parcela fútil do clichê sustentável, Kassab disse na manhã desta terça-feira que todo o material recolhido e aproveitável vai ser reutilizado.
Mas e lá, no buraco que ficou!?
Já ouvi de um amigo que mora nas proximidades há mais tempo que a ideia do prefeito é iniciar a construção de um parque no local incendiado, e isso já em 2012.
Agradar aos moradores de classe média do Campos Elísios com um complexo de lazer seria a solução perfeita de Kassab para remendar a porcaria que ele autorizou e agravou a situação de abandono pela qual o bairro vem passando desde sempre.
É o pontapé inicial para o projeto Nova Luz, que vai transformar o centro de São Paulo em um sem número de mega condomínios, estruturas de lazer e entretenimento, escritórios e alimentação para atender à gana do mercado imobiliário que não tem onde mais crescer na cidade.
Sou totalmente a favor da existência de parques na cidade. São agradáveis, espaçosos, servem de alternativa à rotina cinza dos prédios e do asfalto, mas jamais vou admitir que eles sejam colocados como prioridade quando existe gente sem teto e sem perspectiva sobrevivendo de chorume e dos trocados que pedem a todos.
E o povo que vive na rua, para onde vão mandar, à câmara de gás!?
Interessante é descobrir que a única meta não estabelecida pela Prefeitura para o plano de revitalização do centro é onde colocar essas pessoas.
Mas nem precisa, afinal a Prefeitura já começou a eliminá-los mediante ações como as que aconteceram na última semana.
Os próximos seremos nós, pobres mortais pagadores de aluguel, quando ficarmos com o saco cheio da zona em que será transformada o bairro e sem capacidade para suportar os reajustes insistentes no custo de vida que se seguirão.
Quando ninguém mais atrapalhar os projetos de elitização encampados pela Prefeitura - nem mendigos, nem moradores, nem comerciantes que atendem esse público, as ruas vão ser limpas, outros prédios antigos demolidos, enchentes afastadas, e os R$3 milhões torrados no último domingo vão sair barato para o exemplo de empreendedor de miséria que é Gilberto Kassab.
MQMA: Him - Rupert Holmes
Há 2 semanas