terça-feira, 9 de agosto de 2011

London falling, and burning



A composição de Joe Strummer e Mick Jones, de 1979, London calling, feita no momento em que o The Clash propagava o caos e clamava pela saída dos garotos e garotas do submundo de suas periferias para lutar contra a opressão, enfim encontrou seu reflexo incendiário no século XXI.

Inconformados após a polícia de Londres matar um jovem negro e trabalhador chamado Mark Duggan, na quinta-feira, 4 de agosto, moradores do bairro de Tottenham, na região norte da capital, fizeram um protesto pacífico pelo esclarecimento do crime.

Como é de praxe, a Scotland Yard se esquivou do episódio, prometendo apurar o caso, enquanto a fúria da multidão crescia. Alegou que houve um tiroteio e que o rapaz, de apenas 29 anos e pai de quatro filhos, reagiu à abordagem quando estava dentro de um táxi.

A partir da noite de sábado seguiu-se, como há muito não se via, um movimento brutal vindo da camada mais pobre da população britânica, que iniciou sua própria Justiça derrubando delegacias e outros prédios públicos com coquetéis molotov, tacos de beisebol e chutes.

A horda de rebeldes londrinos contagiou outros desprivilegiados de Liverpool, Bristol, Birmingham, Manchester e Nottingham, afetados pela recente decisão do governo de David Cameron de aprovar um plano de austeridade que cortou programas sociais destinados a jovens.

Muitos deles são desempregados, nos moldes dos operários das fábricas dos subúrbios londrinos que inspiraram o movimento punk da década de 70, que entendiam a falta de perspectiva de futuro como fato consumado, e tinham na violência a única e necessária saída.

Carros, ônibus e principalmente lojas de empresas multinacionais também são atingidos. O comércio, alvo de saques, sofre na pele o alcance do desespero de muitos adolescentes esfomeados, que enxergam a oportunidade de darem seus gritos em meio à inércia do governo.

Hoje, terça-feira, após mais de três dias de verdadeiras batalhas campais entre manifestantes e policiais, a perícia que investiga o homicídio de Duggan constatou que ele não ofereceu qualquer resistência quando foi parado pela blitz.

Mais que isso, mostrou que a bala alojada no rádio da polícia, que supostamente teria partido de um tiro do rapaz, veio da arma de um agente. Outro membro da corporação foi ferido na ação, a única peça que falta para comprovar a óbvia culpa do braço armado do Estado.

Antes de qualquer conclusão, precipitaram-se parlamentares conservadores e trabalhistas a falar sem conhecimento de causa, taxando os manifestantes de oportunistas e criminosos, sem buscar qualquer explicação inserida no contexto social para os incidentes.

E o primeiro ministro, que até então estava de férias na Itália, resolveu voltar para uma reunião de emergência contra a crise, colocando 17 mil homens nas ruas para reforçar a segurança. Pelo menos 563 pessoas já foram presas em Londres, e outras 39 em Bristol.

Enquanto 111 agentes e 14 civis estão feridos, nada se fala sobre as vítimas das balas de borracha, bombas de efeito moral e outros aparelhos de "controle de multidões". Mas o primeiro integrante da revolta já foi morto, aos 26 anos, na noite desta segunda-feira, 9.

Depois de amanhã, Cameron tem mais uma reunião urgente, desta vez com o Parlamento inglês, buscando uma saída possível para os confrontos, e preocupado, claro, com a imagem do país, que será sede das Olimpíadas daqui a menos de um ano.

Medidas que visem melhorar as condições financeiras e de dignidade e acesso a oportunidades inexistem. Creio que essa é a única reivindicação possível dessa gente, que teve no assassinato do vizinho apenas o estopim para soltar sua fúria contra as instituições inglesas falidas.

E é exatamente desse ponto que trata a música lembrada no início do texto. Com uma propriedade universal e atualíssima, London Calling alerta que, com a parada das máquinas, a esperada explosão vai acontecer assim que o trigo começar a crescer devagar e de forma insuficiente.

Não é difícil interpretar a letra livremente para entender que, com o advento inevitável do desemprego e da fome, o limite do ímpeto irracional dessas pessoas vai se transformar rapidamente em revolta.

A guerra está declarada e a batalha começa! Burn London, burn!